IA na Transição Verde: Oportunidade ou Ameaça? Descubra o que Está em Jogo

A IA está a transformar a ação climática — o seu impacto, positivo ou negativo, depende de como usamos o seu poder.

A inteligência artificial (IA) deixou de ser uma curiosidade de laboratório para se tornar parte da rotina. Algoritmos recomendam séries, otimizam rotas de entregas ou respondem, em segundos, a perguntas complexas.

Este salto deve-se a três fatores: a explosão de dados, o preço descendente dos chips especializados e o efeito-rede de plataformas como o ChatGPT, que em poucos meses passou de zero a centenas de milhões de utilizadores. Porém, o poder de computacional tem um preço energético assinalável.

De acordo com o MIT Technology Review, só nos Estados Unidos, os centros de dados gastaram cerca de 200 TWh em 2024, energia suficiente para abastecer a Tailândia durante um ano. A Agência Internacional de Energia (IEA) estima que a procura elétrica global dos data centers poderá mais do que duplicar para 975TWh até 2030, impulsionada sobretudo pelo volume de tarefas de IA.

O Balanço que a Ciência Propõe

Esse quadro energético seria alarmante se não existissem sinais claros de que a IA pode gerar um saldo climático positivoUm artigo recente da npj Climate Action conclui que as aplicações de IA em setores como a energia, a alimentação e a mobilidade podem evitar entre 3.2 and 5.4 gigatonnes of CO₂e annually by 2035, graças a cinco alavancas que vão da optimização de redes eléctricas à descoberta acelerada de materiais limpos.

A nível macro, um estudo sobre 67 países (1993-2019) mostra que cada ponto percentual adicional no índice de adopção de IA eleva em 0,14 % a quota de renováveis e reduz a pegada ecológica, sobretudo nas economias mais abertas ao comércio.

Os algoritmos ajudam, mas o contexto: regulação, mix energético e qualidade dos dados.

Quatro Frentes de Impacto Mensurável

Medição de carbono e previsão de emissões
Modelos de machine learning integram, em minutos, dados que antes levavam semanas a compilar, incluindo o complexo Scope 3. Isto será ainda mais decisivo quando a CSRD obrigar as empresas europeias a publicar os seus relatórios de sustentabilidade.

Cadeias logísticas circulares
Plataformas preditivas antecipam devoluções, ajustam rotas e dimensionam recicladores, transformando resíduos em matéria-prima. A Fundação Ellen MacArthur calcula que o ganho anual, se IA, design circular e novos modelos de negócio, atuarem em conjunto, ultrapassa 200 mil milhões USD nos sectores alimentar e eletrónica.

Manutenção preditiva de ativos verdes
Sensores e modelos avançados de IA já preveem mais de 90 % das falhas em parques eólicos, reduzindo o tempo de paragem quase para metade e prolongando a vida das turbinas — megawatts extra sem instalar uma pá nova.

Relato ESG automatizado
Com a chegada das novas exigências europeias, como os ESRS, a IA está a ser usada para acelerar a extração, validação e organização de dados ESG. Ferramentas inteligentes ajudam a identificar e estruturar a informação, reduzindo tempo e esforço nas fases mais operacionais dos relatórios, libertando equipas para ações de sustentabilidade real.

O Reverso da Medalha

Tudo isto pode ser anulado se a eletricidade que alimenta os modelos continuar ancorada em fontes fósseis ou se o hardware não for otimizado. A própria IEA alerta: sem energia limpa, as emissões dos data centres crescerão em linha com a procura..

Para lá da pegada energética, surge o perigo de greenwashing algorítmicomodelos treinados com dados incompletos amplificam erros e enviesamentos. Nesse sentido, surge na União Europeia AI Act, em vigor desde 2024, impõe já em 2025 deveres de transparência. O objetivo é simples: garantir que os sistemas de IA lançados no mercado europeu sãoseguros, transparentes e energeticamente responsáveis”.

Da Teoria à Prática — O Que Podemos Fazer

Para que a IA seja parte da solução, e não do problema, a sociedade e as empresas têm de alinhar três atitudes simples e complementares.

Primeiro, melhorar a escolha dos serviços digitais. Tal como mudamos para um tarifário verde em casa, é possível preferir plataformas que publicam auditorias de carbono e operam data centres alimentados por renováveis. Esta pressão de mercado incentiva fornecedores a adotarem contratos de energia limpa e a investir em hardware mais eficiente.

Segundo, usar a IA com propósito. Cada pesquisa adicional ou geração de imagem consome eletricidade. Formular prompts claros, evitar pedidos triviais e reaproveitar resultados reduz a pegada individual sem sacrificar produtividade. Para as empresas, isto significa medir o balanço “energia gasta versus emissões evitadas” antes de escalar qualquer piloto.

Terceiro, prolongar a vida dos equipamentos e qualificar pessoas. Actualizar software, substituir baterias ou acrescentar memória evita a extracção de metais raros que acompanha cada novo dispositivo. Em paralelo, investir em literacia de dados e ética — perceber enviesamentos, interpretar rótulos de consumo — torna equipas capazes de configurar, monitorizar e, se necessário, travar sistemas que falhem o teste de sustentabilidade.

Inteligência Estratégica para um Futuro Sustentável

A transição climática, energética e sustentável assenta em três pilares: descarbonizar a produção de energia, eletrificar (ou recorrer a moléculas limpas) processos intensivos em carbono, e fechar o ciclo dos materiais.A IA pode funcionar como sistema nervoso desta transformação — prevendo variações de vento e sol para equilibrar redes 100 % renováveis, redesenhando cadeias de valor para que o resíduo volte a ser recurso e libertando equipas de tarefas repetitivas para se focarem em cortes efetivos de emissões.

Contudo, essa promessa só se cumpre se a infraestrutura digital migrar para fontes verdes, se os dados forem de qualidade e se a governação ética for inegociável.

A inteligência decisiva para a próxima década, portanto, reside menos nos algoritmos e mais nas escolhas de cidadãos, empresas e governos em direcionar este poder computacional para um futuro genuinamente regenerativo, resiliente e justo..


Escrito por Beatriz Santos

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